Repórter
Entre 1942 e 1945, os dias eram atípicos na pacata capital do Rio Grande do Norte. Nesse período Natal serviu de base aérea para as tropas norte-americanas durante a Segunda Guerra. Além da base em Parnamirim, o movimento nas Rocas, Ribeira e Cidade Alta era intenso devido a existência da Rampa, estação de hidroaviões construído pela PanAir (subsidiária da PanAm no Brasil), às margens do Rio Potengi. A experiência deixou marcas culturais na história potiguar mesmo depois da entrega da Rampa pelos americanos ao governo brasileiro, em 1946, com o fim da Guerra. Depois de 70 anos, o assunto ainda reacende curiosidades, uma vez que foi pouquíssimo valorizado.
Projetado para iluminar a memória ignorada por muitos natalenses, o Centro Cultural da Rampa seria erguido no mesmo local onde funcionou a base da PanAir, mas as obras estão paradas desde maio de 2014. Pesquisador do tema, Fred Nicolau, da Fundação Rampa, lamenta o descaso local com essa história, que é parte importante da memória potiguar, e lembra que esse fato poderia ser melhor aproveitado. “A experiência de Natal na Segunda Guerra tem potencial turístico de memória”, diz, em conversa ao Viver.
“Pela Fundação Rampa, já recebemos duas doutorandas americanas que vieram pegar informações em Natal. Mas não vejo o mesmo interesse nesse assunto por parte de professores e alunos da UFRN, por exemplo”, comenta. Ele acredita que a iniciativa privada poderia ajudar na manutenção de um Museu sobre o tema. “O problema é que os empresários acham que museu, essas coisas de cultura, são obrigações do poder público”, afirma o pesquisador. “Acaba que ninguém se interessa”.
Fred traz a paixão pela aviação e a 2ª Guerra desde a infância, quando colecionava aviões. Tamanho interesse o fez se mudar de São Paulo para Natal em 2008 com a esposa. Formado em design, na cidade ele se aproximou da Fundação Rampa e desde então passou a dar palestras e participar de documentários sobre o tema.
Ele coleciona documentos e fotos do período. Para o Museu da Rampa, esses materiais seriam usados, além dos de Augusto Maranhão, potiguar que também coleciona objetos daquele período. “O acervo do museu seria formado principalmente por coleções particulares”, explica.
Fred conta que antes da guerra a Rampa era uma pequena estação de hidroaviões da Panam Americana com pouquíssimo movimento. Somente com a chegada da tropa americana o cotidiano de Natal foi mudado fortemente, com entrada de dinheiro e desenvolvimento. “Gente do interior e de outros estados vieram para cidade devido a oferta de empregos”, diz.
Com o contato com os americanos, o idioma foi acrescido de expressões da língua inglesa, como “boyfriend” e “Ok”. Hábitos como mascar chiclete foram incorporados ao dia a dia. Dentre os produtos, Natal foi uma das primeiras cidades brasileiras a ter ketchup, coca cola e calça jeans. Na Rua Chile funcionavam cassinos e às vezes o quebra pau corria solto entre americanos e potiguares. No lado negativo, o grande volume de soldados aumentou de forma expressiva a população local, gerando aumento nos preços de alimentos, aluguéis e prostituição.
“Diferentes de outras cidades, em Natal a frota americana foi muito bem recebida. O RN não sofreu ataques dos submarinos alemães, que afundaram navios e aviões na costa brasileira”, diz o pesquisador. “Foram tempos agitados que terminou com o fim da Guerra e a posterior entrada da base aos brasileiros”.
OBRAS
Hoje ocupado por pescadores do Canto do Mangue para a movimentação de barcos – que já utilizavam a área há décadas – as obras do Centro Cultural Rampa estão paradas desde maio de 2014. A justificativa são as reformulações no projeto, que implicou aumento de custos. A Obra foi originalmente orçada em R$ 8,2 milhões, sendo R$ 7,4 milhões do Ministério do Turismo e R$ 821 de contrapartida do Governo do Estado.
No espaço seria abrigado o Museu da Rampa. A ideia do Museu é focar na história da aviação e na 2ª Guerra Mundial, mostrando o contexto da cidade na época, como se deu a interação entre as pessoas, as mudanças de costumes, os depoimentos de quem vivenciou aquele período.
Procurada, Secretaria de Estado da Infraestrutura (SIN), responsável pela obra, informou que está trabalhando na formalização do termo aditivo com a empresa construtora (Ramalho Moreira) “para que a obra seja retomada até o final de novembro deste ano. A obra está prevista para ser entregue no final do primeiro semestre de 2017”. Enquanto a situação não é resolvida, uma parte importante da história da cidade é esquecida e um potencial turístico é desperdiçado.
CRONOLOGIA
2000 a 2005 – Sob a guarda a aeronáutica, o lugar funcionou como espaço museológico, organizado pela Fundação Rampa.
2007 – A criação do museu tramitava na esfera municipal. Na época, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) chegou a sinalizar a liberação de 750 mil dólares para viabilizar a obra.
2008 – O escritório do arquiteto potiguar Carlos Ribeiro Dantas assume a responsabilidade de conceber o projeto do museu e a restauração da antiga Rampa.
2009 – A empresa pernambucana Cunha Lanfermann Engenharia e Urbanismo ganha licitação para elaborar o projeto executivo.
2011 – O projeto é apresentado ao público pela Secretaria de Turismo.
2012 – O Governo do RN formaliza convênio de R$ 8 milhões com recursos do Prodetur/NE.
2013 – Secretaria de Infraestrutura (SIN) abre edital para receber propostas de empresas interessadas em assumir as obras.
2013 – obras iniciadas em junho.
2014 – As obras são interrompidas em maio por necessidade de ajustes técnicos ao projeto inicial.
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